Receitas do Bem

Chefs de cozinha que apostam na gastronomia como inserção social

Estes cozinheiros usam a comida como ingrediente para a inclusão social – e doam tempo e afeto a quem precisa

Reunimos cinco chefs de São Paulo engajados em iniciativas que usam a cozinha para transformar vidas.Henrique Fogaça cozinha com jovens com síndrome de Down; Carolina Perez apoia adolescentes em comunidades carentes; Márcio Silva e Jorge Gonzalez, dupla do Buzina Food Truck, buscam seus funcionários em projeto social; a associação beneficente de Filipe Fernandes se transformou em restaurante; Bel Coelho leva conforto a famílias afetadas pelo câncer.Eles contam suas histórias e mostram o poder da gastronomia – além de ensinar uma receita que representa sua ligação com os projetos.

Henrique Fogaça colabora com o Instituto Chefs Especiais

Chef Henrique Fogaça com a aluna Luiza Vedovello (Duo Borgatto/CLAUDIA)

Ele comanda dois bares e dois restaurantes. É jurado do reality MasterChef Brasil. Ainda assim, Henrique Fogaça, 42 anos, mantém firme o compromisso com o Instituto Chefs Especiais, em Higienópolis, São Paulo, onde há dez anos dá aulas de culinária a alunos com síndrome de Down. São crianças, adolescentes e adultos (o mais velho tem 58 anos), divididos em grupos de acordo com suas aptidões motoras e intelectuais. 

“Enquanto alguns aprendem a mexer com facas e a lidar com fogo, outros ralam o queijo e desfolham as ervas”, conta o chef, que convive, em casa, com a síndrome rara de sua filha mais velha, de 10 anos. A frustração em não poder cozinhar para Olívia, que se alimenta por meio de sonda, é em parte transformada em entusiasmo para o trabalho social.

A aluna Luiza Vedovello, 19 anos, participa há dois anos das oficinas do instituto. “Agora são meus pais que me ajudam na cozinha”, comemora ela, que chama o chef de Fogacinha e guarda uma foto dele em sua mesa de cabeceira.

 

Carolina Perez colabora com o Chef Aprendiz

 (Duo Borgatto/)

Formada em gestão de políticas públicas, Beatriz Mansberger, 24 anos, conversava com jovens da comunidade paulistana de Paraisópolis quando detectou o desejo deles de aprender gastronomia. Ela, então, angariou fundos via financiamento coletivo e criou o conceito do curso Chef Aprendiz – ao fim de quatro meses, o aluno elabora um menu completo para um júri de especialistas, que pode indicá-lo para uma vaga no mercado.

Destaque na primeira edição (já são três), Ana Brito, 17 anos, foi chamada para trabalhar como auxiliar de cozinha no La Mar Cebicheria, de culinária peruana. “Faço coisas que nunca imaginei ser capaz”, diz. O projeto foi estendido para os bairros do Campo Limpo e do Glicério, também em São Paulo, sempre com o apoio de chefs – uma das grandes parceiras é Carolina Perez, 38 anos, da empresa Pé na Cozinha.

 

Buzina Food Truck colabora com a ONG Gastromotiva

Há oito meses, Roberto Tonhazzini (à direita) trabalha com os chefs Jorge Gonzalez (no centro) e Márcio Silva (Duo Borgatto/CLAUDIA)

Quando colocaram seu food truck nas ruas, em 2013, Márcio Silva, 48 anos, e Jorge Gonzalez, 39, já tinham o desejo de dar formação a jovens de baixa renda. Estabeleceram, então, uma parceria com a ONG Gastromotiva – que, desde 2006, trabalha com inclusão social pelo ensino da culinária em São Paulo, Salvador e no Rio de Janeiro. Em uma das aulas, Gonzalez propôs que os grupos criassem lanches diferentes com os mesmos ingredientes. “O mais saboroso passou a integrar nosso cardápio”, conta ele.

Batizado de gastromotiva burger, o sanduíche leva provolone, vinagrete, maionese de alho e chips e é vendido nos festivais de que o Buzina participa, com renda revertida para a ONG. No ano passado, bem no dia do seu aniversário, o aprendiz Roberto Tonhazzini, 25 anos, soube que seria contratado pela dupla. “Foi meu maior presente. Mais que cozinhar, eles me ensinaram a ter postura e disciplina”, diz. Em breve, os chefs pretendem abrir uma unidade fixa no bairro de Pinheiros – com funcionários formados pela ONG.

 

Janaina Rueda colabora com o projeto Cozinheiros da Educação

 (Duo Borgatto/CLAUDIA)

Desde agosto passado, Janaina Rueda, 41 anos, chef e proprietária do Bar da Dona Onça, no centro de São Paulo, dá expediente em muitas outras cozinhas. Em parceria com o governo do Estado de São Paulo, ela tomou a frente do projeto que reformula a merenda das escolas, treinando as merendeiras para melhorar a qualidade do que vai no prato dos alunos.

A primeira unidade atendida foi a Escola Estadual Maria José, também no centro da cidade, justamente onde Janaina estudou. Entre as funcionárias da cozinha da instituição estão Ana Angélica Santa e Irene Pacheco Soares, ambas com 53 anos. Elas aprenderam dez pratos criados pela chef, como o estrogonofe, um dos prediletos da garotada.

Nas receitas, Janaina substitui principalmente enlatados por preparos caseiros, como salsicha por carne de panela. “Se algo falha no processo, corremos contar para a chef. Criamos uma relação de lealdade”, diz Irene. Os alunos respondem bem às mudanças. “Eles me perguntam o que vai no tempero. Digo que uma pitadinha de amor”, complementa Ana Angélica.

 

Holy Burger colabora com a Associação Um Novo Tempo

(Duo Borgatto/CLAUDIA)

Ao observar o dia a dia do bairro onde mora, na Bela Vista, centro da capital paulista, o chef Filipe Fernandes, 30 anos, ficava especialmente incomodado com as condições em que viviam os jovens. “Eles jogavam bola na rua, onde a criminalidade rola solta”, conta. Ele compartilhou sua angústia com dois amigos e, juntos, os três decidiram criar um espaço para oferecer atividades culturais (aulas de futebol, circo e balé) no bairro. Nasceu, assim, há oito anos, a associação Um Novo Tempo.

Para arrecadar recursos, o grupo começou a vender hambúrgueres em feiras gastronômicas. Foi um sucesso: em apenas um dia, produziram 1,8 mil unidades. Daí surgiu a ideia do Holy Burger, lanchonete que emprega alguns dos garotos atendidos pela ONG, hoje já crescidos. Um deles é Janderson Oliveira, 20 anos, que está prestes a assumir a cozinha. “Com o trabalho, sustento minha casa. Se não fosse essa oportunidade, poderia seguir o mesmo caminho errado de muitos amigos”, diz, orgulhoso.

 

Bel Coelho colabora com a TUCCA (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer), no projeto Chefs pela Cura

A chef Bel Coelho (à direita) dá aula para mães cujos filhos estão se tratando de câncer. Cristina é uma delas (Duo Borgatto/)

No ano passado, ainda grávida de seu segundo filho (hoje com 3 meses), a chef Bel Coelho, 37 anos, foi chamada ao ambulatório de oncologia pediátrica do Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, para conhecer José, um jovem fã de 15 anos que lutava contra um câncer agressivo. Órfão de pai e mãe, o menino, que morreu em dezembro, pediu para cozinhar com a chef, que é voluntária do Chefs pela Cura. “Foi marcante. Meu filho tem o mesmo nome que ele e quero que tenha sua força“.

Já faz alguns anos que Bel participa do projeto, dando aulas de culinária às mães de crianças em tratamento. “Elas passam muito tempo no hospital. Tentamos preenchê-lo cozinhando, batendo papo e trocando experiências”, diz. A gaúcha Cristina Acunha, 43 anos, é uma delas: enquanto o filho, Guilherme, 10 anos, combate um câncer nos ossos, ela aprende pratos nutritivos, como o nhoque de mandioca (ao lado). “Cozinhar virou uma terapia. Eu me sinto até mais segura para enfrentar as dificuldades da vida”, diz Cristina.

Fonte Oficial: Claudia – Abril